quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

ADRIANA

Não é a sua história, não é a minha, não é sequer uma história; porém um conto sem maiores ou menores pretensões, de uma pessoa que engatinha nos meandros da literatura. Uma pessoa que tem a cabeça cheia de idéias confusas e pensamentos atordoados, embora ações firmes e coerentes.
Essa pessoa não sofreu na infância, o que já afastaria muitos leitores, nem padeceu com a adolescência, como era de se prever. Apenas amadureceu mais depressa que as outras meninas de sua idade e, por opção, pulou a fase mais chata e confusa de nossas vidas!

Então se você leitor, deseja reviver o sabor da sua infância, afaste-se; se deseja encontrar nuances e vivências de adolescentes, afaste-se. Apenas aproveite, desfrute e, se possível, apaixone-se. Meu objetivo não é trazer ninguém de volta ao passado nem desvendar futuros.

Vou chama-lá de Adriana. Por que Adriana? Porque um dia, nem me lembro quando, nem tampouco acredito que tenha acontecido de verdade, mas acho que ouvir mamãe mencionar que se eu não tivesse o nome que tenho, me chamaria Adriana.

Passei muito tempo pensando como teria sido minha vida se eu tivesse me chamado Adriana. Acredito que nossos nomes podem influenciar alguns pontos de nossa personalidade e até nas nossas verdades. Mas, para ser sincera, esta fase já passou há muito tempo. E fui, gradativamente, me acostumando com meu nome e até considero muito bem escolhido e bastante interessante. Meio que combina comigo.

Adriana gosta de quem é. Traz em si muitas memórias que a fizeram o que é hoje em dia. Cada acontecimento que viveu, cada pessoa que conheceu e cada lugar por onde passou marcaram sua visão, alma e coração, então ela é meio que um misto de muitas coisas, pessoas e lugares.
E quem não o é?

Procurou retirar o melhor em tudo que fui encontrando no seu caminho, coisa que fez muito prazerosamente; porém, como humana que é, nem sempre conseguiu. Então ela tem consciência de que carrega alguns senões esquisitos e até muito mal intencionados. Mas nada que a faça perder o sono, pois, com certa maestria, vai administrando “aquele” diabinho interno que costuma habitar os corpos dos seres viventes.
E, quando ela faz um balanço interno de como/e o que pensa, fala e age, ainda está com créditos.

Porém, ela se descobriu uma pessoa um tanto simbiótica no dia em que se pegou reproduzindo palavras, tim tim por tim tim, que havia ouvido de uma amiga distante. A princípio ficou surpresa consigo mesma, mas depois achou até interessante. Que mal havia em ter gostado do que foi dito por alguém, e mais, que mal havia em repetir, conscientemente, o pensamento de uma amiga?

E, de pouco a pouco, ela foi prestando mais e mais atenção nas palavras ditas, nas músicas cantadas, nos livros lidos, nas paisagens vistas e nas experiências vividas. Para ela não importava se eram boas ou más, eram momentos que ela já não podia desprezar. Tudo era armazenado no baú da sua consciência e, de quando em quando, utilizados para se expressar.

Porém, também de quando em quando, ela parava para perceber se o que pensava, falava ou fazia era realmente seu ou se estavam vindo desse tal baú. Às vezes, tinha a sensação de estar sentindo o que uns e outros sentiram ou disseram que sentiram e isso a deixava um pouco confusa. Até meio desconfiada de si própria, duvidando de seus conceitos e verdades.

Quem seria, na verdade, essa tal de Adriana?Ela sabia que precisava organizar, arrumar o baú por arquivos, uma espécie de folder de computador: “Isso é intrínseco, inerente do meu EU ou já é parte da minha coletânea de vida?”
Ela já não consegue decifrar o que realmente é dela e o que ela surrupiou, embora de forma limpa e atenta, do mundo.

Os dias iam se passando com uma velocidade tão assustadora que nunca havia tempo para esta tal arrumação, e ela continuava a tomar como suas verdades todas as coisas faladas, ouvidas, lidas e vistas. Entretanto, sua cabeça lhe pregou uma peça. Certo dia, depois de horas de trabalho resolveu fazer nada no sofá da sala e, com a tecnologia ao seu alcance, utilizou-se do controle remoto e trocou a TV pelo iPod.

Apesar de ser o seu próprio iPod, levou um susto ao ouvir Raul Seixas. Nem lembrava mais quando foi que colocara ele ali dentro, mas se permitiu, como era de costume, desfrutar de cada palavra que ele ia dizendo ao cantar e encantar-se, como se encantara no passado. Foi, como sempre, absorvendo cada letra, sílaba, palavra e verso das músicas, até chegar em METAMORFOSE AMBULANTE.

Parou, repetiu a música, uma duas, três, quatro vezes. Tomou um café, cantalorando a melodia. Refletiu.
E se deu conta, quase como que se decifrando, que ela era também meio metamórfica, já que ela não era só ela, era uma massa formada por tudo, todos e ela mesma.

No princípio, o ritual de tomada de consciência de quem e como era deixou-a desapontada, ofendida e até mesmo muito irritada consigo mesma, mas, gradualmente, aquele ritual foi se suavizando, tomando conta da sala, da cozinha, do quarto, da casa e dela mesma, e foi ficando mais confortável dentro de si mesma, aceitando cada pedacinho de seus pesamentos e atitudes. Ela relaxou.

Trouxe à tona de seu consciente tudo que estava bem guardado no cofre do inconsciente. Relaxou mais uma vez.
Voltou à posição de fazer nada. Quebrou sua rotina e se deu o direito de ser muitos, muitas em uma só criatura.

Ela continua a ser ela, confusa e atordoada, cheia de idéias de todos e tudo; porém, com atitudes muito suaves e não tão coerentes; já que, além de simbiótica, também é uma metamorfose ambulante.

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